AUTOCONHECIMENTO
A mamãe
camelo estava conversando com o seu filhote de um ano e meio, quando este
começou a fazer algumas perguntas interessantes:
- Mãe,
para que me servem estes cascos com estes dedos interligados?
A mãe,
percebendo que o seu filhote estava na idade da autodescoberta, respondeu em
seu auxílio:
-
Filho, estes seus cascos são assim para que você não afunde na areia do
deserto. A areia do deserto é muito fina e com estes cascos não temos
problemas.
O
camelinho entendeu, mas fez outra observação sobre o seu corpo:
- E
estas sobrancelhas tão grossas, mãe? Porque são assim?
- São
assim para lhe proteger das tempestades de areia do deserto. Com elas os seus
olhos ficarão protegidos quando ocorrerem redemoinhos de ventos com areia.
O
camelinho estava aprendendo sobre si e compreendendo como a natureza era tão
sábia. Resolveu, então, perguntar sobre as suas corcundas.
- E
estas duas corcundas em minhas costas, mãe, servem pra quê?
- O
deserto é uma região inóspita, filho. Tem pouca água e alimentos. Estas
corcundas são reservas de energia que temos e usamos para atravessar o deserto.
O
camelinho se encantava com cada resposta e cada explicação de sua mãe, mas
também aumentava a sua intriga pessoal. Resolveu fazer a pergunta crucial:
- Então
quer dizer que estes cascos, estas sobrancelhas e estas corcundas que tenho são
para atravessar o deserto?
- Sim,
meu filho. A sua natureza e as suas características são propícias para que você
consiga viver no deserto.
Aí, o
camelinho fechou o diálogo com a sua pergunta de humor negro:
- Se
tenho uma natureza para viver no deserto, o que estou fazendo aqui nesta jaula
de jardim zoológico?!
Da
mesma forma vive o ser humano, aprisionado em uma condição para a qual não foi
projetada a sua natureza. O ser humano precisa se investigar, se autoconhecer e
identificar as suas capacidades latentes. Precisa reivindicar o seu espaço de
ação e o direito ao seu propósito divino.
SABEDORIA DE DEUS
Havia
um grande sábio que costumava peregrinar em estado de ascetismo pelas regiões
do oriente. Certa vez, ao aproximar-se de uma casinha simples fora reconhecido
pelo seu dono que de imediato lhe ofereceu hospedagem. Depois de muita
resistência, o sábio acabou aceitando o convite, afirmando que partiria logo de
manhã cedo, rumo ao deserto.
- Meu
caro gentil, agradeço a sua hospitalidade e ficarei com você até amanhã cedo.
Preciso partir ao amanhecer, pois atravessarei o deserto e a caminhada é longa.
O
anfitrião há muito esperava pela oportunidade de conhecer aquele sábio. Sua
fama estava espalhada por toda a região e era uma dádiva acolhê-lo em sua casa.
Após uma noite de conversas e ensinamentos com o sábio, o anfitrião decidiu que
partiria junto com ele rumo ao deserto. O gentil homem ficara encantado com
toda a sabedoria que vinha das palavras daquele homem e intencionava aprender
mais. Ao amanhecer, abordou o sábio:
-
Mestre, peço humildemente que me deixe acompanhá-lo pelo deserto. Quero me
iluminar com a sua sabedoria. Por favor, deixe-me ir com você.
O sábio
via que aquele nobre homem estava disposto a escutá-lo, mas sabia que ainda não
estava pronto para compreender as sabedorias maiores da existência. Desta
forma, indagou:
- Nobre
homem, o deserto é desafiante e acredito que você não irá suportar as suas
desavenças. É melhor que fique em sua casa, com a sua família e no seu
conforto.
O homem
não queria perder aquela oportunidade e estava disposto a se sacrificar.
Insistiu no seu pedido ao sábio:
-
Mestre, peço piedosamente que me aceite como seu discípulo. Prometo que ao
primeiro deslize, voltarei para minha casa. Serei justo para com o senhor e
para comigo.
O sábio
antevia os fatos e percebia que aquele homem não suportaria os encargos de uma
entrega verdadeira. Mesmo assim, resolveu dar uma chance e concedeu-lhe uma oportunidade:
- Tudo
bem. Apronte a sua bagagem e vamos. Ao primeiro deslize, você retornará para o
seu lar. Este é o acordo e o seu desafio.
Partiram,
então, rumo ao deserto. Penetraram o deserto e caminharam por horas. Por volta
das onze horas da manhã, sem terem trocado nenhuma palavra, o discípulo
resolveu falar:
-
Mestre, já é quase meio-dia. Não seria bom pararmos para descansarmos e
almoçarmos. E o que vamos comer na refeição?
O sábio
permaneceu em silêncio, concentrado e caminhando, como se estivesse em estado
de oração. Neste momento, o recente discípulo percebera que o sábio não trazia
nenhum alimento em seu pequeno fardo. Ficou inquieto e angustiado, pois a fome
e o cansaço já o castigavam. Insistiu:
-
Mestre, precisamos parar para descansar e comer. Estou exausto, com sede e
fome. E o que vamos comer?
O
sábio, então, resolveu parar e encostou-se à sombra de uma bela árvore.
Sentaram-se e o discípulo repetiu as sua indagações:
- E
agora, o que comeremos? O senhor não trouxe nada de alimento. Acho que
passaremos fome. Resolva esta questão com a sua sabedoria, oh, grande sábio.
O sábio
percebeu uma certa ironia na fala do seu discípulo, mas permaneceu quieto e em silêncio. Não se
ouvia nem o som da sua respiração. Este comportamento incomodava o discípulo
que, então, apresentou a solução. Retirou da sua bagagem um embrulho com
alimentos que havia sido preparado pela sua esposa a pedido dele, de manhã
cedo, antes de partirem.
- Está
aqui, mestre, a nossa salvação. Minha esposa preparou uma refeição para nós.
Aceite este alimento, por favor.
O sábio
aceitou o alimento e deliciou-se com o belo manjar oferecido pelo seu
discípulo. Ao final da refeição, o discípulo resolveu fazer um comentário.
- É,
mestre. Parece que a sua sabedoria não havia previsto a nossa necessidade de
agora. Se eu não tivesse pedido à minha esposa que preparasse esta refeição,
estaríamos passando fome.
O
sábio, então, resumiu tudo o que acontecera até ali e instruiu finalmente o seu
discípulo:
- Para
você, nós estamos nos alimentando graças à sua esperteza. Isto é uma verdade.
Para mim, foi Deus quem mandou você para me alimentar. Esta é a minha verdade.
Você ainda não está preparado para entender a sabedoria de Deus. Volte para a
sua casa e reflita sobre o seu primeiro e último deslize comigo.
ILUMINAÇÃO
Um
peregrino dirigia-se a um mosteiro conhecido por ser administrado por um ser
iluminado. Queria conhecer o tal mestre e aprender sobre os seus ensinamentos.
Ao aproximar-se da entrada do mosteiro, percebeu um senhor retirando água de um
poço com um balde. Encaminhou-se até ele e perguntou:
- Este
é o mosteiro que possui um guru iluminado, reconhecido aqui pela região? Estou
procurando por ele e quero me apresentar.
O
senhor deixou o que fazia e dirigiu-se ao peregrino:
- Sim. Este
mosteiro é administrado por mim. Vamos conversar um pouco, enquanto eu continuo
retirando água. Pode ser?
O
peregrino estranhou, aquele homem simples retirando água no poço não poderia
ser um iluminado! Resolveu questionar sobre a sua iluminação.
- O senhor
é um ser iluminado?! E por que está fazendo este serviço? Não devia estar
fazendo outras atividades?
O guru
olhou-o profundamente e sorriu docemente. Respondeu-lhe:
- Neste
momento estou fazendo o que gostava e sabia fazer de melhor, antes de me tornar
um iluminado. Gosto de retirar água do poço e sei aprontar lenha muito bem.
Após retirar este último balde de água, vou aprontar lenha. Você pode me
acompanhar, pois aproveitamos e nos conhecemos.
O
peregrino, então, resolveu persistir com as perguntas.
- Mas,
então, qual a diferença entre ser um iluminado e uma pessoa comum?
O sábio
novamente sorriu e respondeu-lhe amorosamente:
- A diferença está dentro de mim. A iluminação é
um processo interno. Quando me iluminei, toda a relação que possuía com a vida
se modificou. Tudo passou a ter um novo significado. Para as outras pessoas, eu
posso continuar estar fazendo as mesmas coisas, mas não estou. Só eu e poucos
sabemos a forma diferente com que vivo a vida.
CAVALO ÁRABE
Havia
um grande sábio, na Pérsia antiga, que era muito reconhecido e todos o
procuravam para escutar os seus ensinamentos. Possuía um cavalo árabe de grande
beleza, considerado o melhor da região e ganhador de vários prêmios. O filho
único do sábio, de dezenove anos de idade, era o domador e tratador do tal
cavalo. Certa vez, ao amanhecer, o curral estava vazio tendo o cavalo fugido
durante a noite. Rapidamente, a notícia se espalhou pelas redondezas. As
pessoas se dirigiram ao sábio em tom de lamentação para comentar sobre o
ocorrido. O sábio então respondia:
- Isto
que aconteceu não foi ruim, mas também não foi bom. Foi apenas um fato. Nunca
devemos julgar o que acontece na vida, pois não sabemos o que está por detrás
dos fatos.
As
pessoas escutavam as suas palavras, mas apesar dele ser considerado um sábio
não as valorizavam. Três dias depois da fuga, o cavalo que havia se dirigido
para a mata retornou de lá, acompanhado de um outro cavalo tão belo quanto ele.
Novamente a notícia se espalhou rapidamente e as pessoas, então, vieram confortar
o sábio. Chegavam confirmando a sua sabedoria querendo reverenciá-lo.
- Bem
que você afirmava. Nós pensávamos que a fuga do cavalo havia sido um evento
negativo, mas você ensinava para não julgarmos. Está aí a prova que nos
enganamos, que fomos tolos. Você é realmente um sábio!
O
sábio, do alto de sua sabedoria, não se deixava corromper pela ignorância dos
outros e respondia afirmando novamente o que havia pregado antes:
- Vocês
continuam cometendo o mesmo engano. O retorno deste cavalo com um outro não é
um evento bom, nem ruim. Novamente vocês estão julgando um fato e não conseguem
ver o que está por detrás dele.
Desta
vez, as pessoas chegaram a caçoar do sábio e até a duvidar de sua sabedoria.
Como aquele fato não poderia ser um evento bom?! Acontece que o filho do sábio
foi adestrar o novo cavalo que ainda era selvagem e, durante a montaria, caiu
do cavalo e fraturou a coluna ficando paraplégico em uma cadeira de rodas.
Novamente a notícia se espalhou e as pessoas retornaram a assediar o sábio para
reverenciá-lo.
- Como
fomos estúpidos. Precisamos nos render à sua sabedoria. Tínhamos a certeza que
você havia sido agraciado com a vinda deste novo cavalo. Veja só o que
aconteceu! Que infelicidade para a sua vida!
O sábio
prontamente retrucou aquela repetição de bajulação.
- Vocês
continuam estúpidos, pois continuam julgando os fatos. Devem ficar em quietude
e aguardar que a vida revele a sua intenção. Deixem de julgar o que vêem e
parem com as suas ignorâncias.
Alguns
ficaram estarrecidos com o sermão do sábio. Outros afirmavam que o sábio estava
indignado com o problema do filho e que por isto estava tratando os outros
daquela forma. Ninguém procurava entender o alcance da profundidade das
palavras do sábio.
Novamente
a vida preparou um revés. A Pérsia entrou em guerra com a nação vizinha e todos
os cidadãos persas que tinham entre dezoito e vinte e cinco anos foram
convocados para a primeira batalha. O filho do sábio não foi, devido à sua
condição especial. A Pérsia perdeu a batalha e a guerra. Todos os cidadãos
persas entre dezoito e vinte e cinco anos que participaram da guerra
faleceram.
ENSINAMENTOS
Certa
vez, em um mosteiro tibetano, um discípulo questionou ao seu guru:
-
Mestre, são muitos os ensinamentos que existem e chegam até nós. Às vezes, fico
mentalmente sobrecarregada e acho que não tenho como guardar e praticar tantos
ensinamentos. O que o senhor pode nos dizer sobre isto?
O guru
observou ao entorno e viu uma cesta de palha suja de barro, no canto da sala.
Dirigiu então um pedido ao discípulo:
- Você
irá compreender. Primeiro, pegue esta cesta de palha, vá até o rio e a traga
para mim cheia de água.
O
discípulo fez o que fora pedido e, retornando, recebeu uma inquisição do guru:
-
Então, o que você observou nesta sua prática?
Após
refletir um pouco, o discípulo resumiu o que percebeu:
-
Percebi que a cesta chegou com menos água. Parte da água ficou pelo caminho.
O guru,
então, demandou outra ordem:
-
Retorne ao rio e traga-me a cesta cheia de água, como eu lhe pedi.
O
discípulo retornou ao rio, encheu novamente a cesta de palha e a trouxe para o
seu guru.
- Aqui
está, mestre.
Mais
uma vez, o guru questionou:
- E
agora? O que você observou?
O
discípulo refletiu mais uma vez e disse:
- A
cesta continua não sustentando toda a água que coloquei nela. A água está
ficando pelo caminho. A cesta de palha não tem capacidade para segurar água.
O guru
foi mais incisivo e exigente com o discípulo:
-Você
não está prestando bastante atenção com o que está acontecendo. Volte ao rio
pela última vez e traga-me esta cesta cheia de água.
Pela
última vez, o discípulo foi ao rio e cumpriu o pedido do guru. Retornado ao
guru, este o instruiu:
-
Sente-se e olhe para a cesta. Reflita e medite sobre esta sua prática com
calma. Depois, diga-me o que concluiu.
Após
alguns minutos em silêncio, o discípulo expandiu a sua observação:
-
Percebi, mestre, que é impossível permanecer com a cesta cheia de água e que
ela estava suja na primeira viagem, agora já está limpa.
Enfim,
o guru podia resumir o que pretendia ensinar com aquela prática diante a
pergunta inicial do seu querido discípulo.
- Esta
cesta suja simboliza a consciência do homem com todas as suas impurezas. A água
simboliza os ensinamentos. Assim como a água vai passando pela cesta e vai
limpando-a, os ensinamentos também vão purificando o homem. Porém, a água não
fica retida na cesta e vai ficando pelo caminho. Da mesma forma, os
ensinamentos não devem ficar retidos na consciência humana, mas apenas servirem para uma purificação temporária. Ao final, toda a água ficará para trás e a cesta estará limpa, assim
como todos os ensinamentos ficarão para trás e a consciência humana estará
purificada. Não deseje reter todos os ensinamentos, perceba quais são os mais
necessários para o seu momento atual, ou seja, a sua ida ao rio. O rio
simboliza a fonte de conhecimentos que precisa ser visitada, enquanto houver
impurezas. Quando perceber que alguns ensinamentos já cumpriram o seu papel de
purificação, deixe-os pelo caminho. Desta forma, você nunca se encontrará sobrecarregado.
LINGUAGEM ADEQUADA
Havia
uma monja zen budista que procurava chegar à perfeição. Habitava um mosteiro e
seguia o seu guru de forma abnegada. Um de seus maiores desafios era superar um
relacionamento casual que mantinha com um vendedor de frutas, sempre que se
dirigia ao mercado para compras. Queixou-se algumas vezes ao seu guru:
-
Mestre, aquele vendedor de frutas do mercado muito me incomoda. Todas as vezes
que vou às compras, ele caçoa de mim, diz alguma piada ou me assedia de forma
indecorosa. Já estou perdendo minha paciência com ele.
O guru
observou que ali estava se estabelecendo um belo campo de provas para aquela
monja. Resolveu aconselhá-la:
- Fique
atenta e não perca o seu centro de equilíbrio. Escute o seu coração.
Dois
dias se passaram e a monja teve que ir ao mercado para fazer compras. Chegando
lá, o vendedor de frutas começou a importuná-la como de costume. Desta vez,
depois de escutar poucas e boas, a monja não se conteve. Pegou o guarda-chuva
que trazia consigo e desferiu várias pancadas nas costas do vendedor. De
imediato, retirou-se do mercado e foi se confessar ao seu guru. Dirigindo-se ao
guru, ainda um pouco alterada em seu temperamento, falou-lhe:
-
Mestre, hoje eu não consegui me controlar. Aquele vendedor conseguiu me desequilibrar
e me fazer tomar uma atitude contra os meus próprios princípios. Eu o agredi
com o meu guarda-chuva várias vezes. As suas costas devem estar marcadas com as
pancadas que dei.
- O quê
aconteceu? Perguntou o guru.
- Ele
voltou a me incomodar e a ser indecoroso comigo. Comecei a ficar indignada e
surgiu uma raiva dentro do meu coração que não pude controlar. Quando percebi,
a raiva já havia tomado conta de mim e só podia fazer aquilo que fiz.
Agredi-lhe com o meu guarda-chuva. O quê tem a me dizer, peço encarecidamente
uma orientação sua.
O guru
sorriu diante a atitude da monja e tentou confortá-la com a sua sabedoria.
- Não
deixe que nada externo tire o seu equilíbrio. Procure estar sempre com os seus
princípios mais elevados. Escute-os. Não se permita que alguém possa gerar
raiva dentro de você. Quando aquele vendedor lhe incomodar novamente, olhe-o
com serenidade, com a sua paz interna. Tente reunir dentro de você os
conhecimentos mais elevados sobre as relações humanas. Procure a sua compaixão
e, quando a encontrar, fique equilibrada. Após tudo isto, você pega o seu
guarda-chuva e faz o que for preciso. Talvez, umas novas pancadas em suas
costas resolvam a questão para ele. Mas só faça isto quando estiver em seu
equilíbrio, ciente da necessidade do seu ato. É que cada ser tende a
compreender uma linguagem diferente de comunicação.
A MEDITAÇÃO
Certa
vez, um discípulo perguntou ao seu mestre:
- Mestre, será que posso
meditar enquanto estou dirigindo o meu carro?
- Não, respondeu
prontamente aquele sábio.
O discípulo havia
aprendido que a verdadeira meditação flui em qualquer situação da vida,
independente da situação externa, portanto não estava compreendendo o sentido
daquela resposta. Resolveu refletir um pouco sobre a pergunta e a resposta que
obteve. Daí, reordenou o seu pensamento e perguntou novamente:
- Mestre, e será que
posso dirigir o meu carro enquanto estou meditando?
O mestre, então, sorriu
simpaticamente e percebeu que aquele discípulo havia dado um passo à frente.
- Claro que pode,
respondeu desta vez o mestre.
CERTEZA
UNIVERSAL
Um
fazendeiro muito rico estava prestes a completar noventa anos. Vendo que já se
encontrava perto de sua partida para outros mundos, resolveu antecipar a
divisão da sua herança. Achava que ficaria mais justo dividi-la com os seus
três filhos, ainda em vida, pois poderia consultar sobre a opinião de cada um a
respeito. Mas eis que cada filho queria receber uma parte maior na herança.
O fazendeiro ficou desgostoso ao perceber as
divergentes opiniões de seus filhos sobre as suas posses. Pensou bastante,
refletiu e resolveu ficar neutro diante do que havia consultado e escutado de
seus filhos. Teve uma idéia e a propôs para os seus três filhos.
Havia
um sábio reconhecido na região onde moravam, que era sempre consultado em
questões delicadas. As pessoas procuravam sempre a orientação daquele sábio
para resoluções de situações de justiça. Todos o respeitavam muito e acolhiam a
sua sabedoria. O rico e velho fazendeiro, então, sugeriu aos filhos que
resolvessem a questão da divergência sobre a herança sob a orientação do sábio.
De imediato, os três filhos aceitaram a proposta por confiarem em toda a
sabedoria daquele homem que já havia ajudado a eles em outras ocasiões.
Marcou-se o encontro e sentaram-se à mesa os cinco.
Explicada
a situação ao sábio, ele pediu para que cada filho expusesse a sua opinião e a
justificativa sobre a divisão da herança. Logo, o primeiro filho se justificou:
- Eu
devo ficar com metade da herança. Sou eu quem cuida dos animais da fazenda, dos
porcos, das ovelhas, dos bois, dos cavalos e das aves. O maior lucro da fazenda
vem dos animais e por eu ser o responsável por este setor, devo ficar com a
maior parte da herança.
O sábio
ouviu tudo e recebeu a indagação do velho fazendeiro:
- O que
você acha, grande sábio?
O sábio
respirou com calma, silenciou um pouco e decretou:
- É,
ele está certo.
De
imediato, um outro irmão que ainda não havia se exposto reivindicou:
-
Espera, lá! Sou eu quem cuida do setor agrícola da fazenda. Os animais só
sobrevivem porque se alimentam dos cereais que plantamos. Sou eu quem organiza
a maior mão de obra nos plantios da fazenda. Sou eu quem fornece milho, arroz,
feijão, soja, trigo, cana-de-açúcar e vários tipos de verduras e legumes que
alimentam os animais e os homens que vivem nesta fazenda. Sem estes alimentos
não teríamos nem um animal sequer. Acho justo que eu fique com a maior parte da
herança.
Novamente,
o velho fazendeiro virou-se para o sábio e pediu-lhe a sua opinião:
- E
agora? O que você considera?
O sábio
refletiu um pouco, olhou para todos e afirmou:
- É,
ele está certo.
O
terceiro filho retrucou com o seu posicionamento incisivo:
- Todos
têm que me ouvir. Sou eu quem cuida do setor administrativo e financeiro da
fazenda. Sou eu quem projeta lucros, libera custos, paga funcionários em dia,
fecha negócios com fornecedores e clientes, faz marketing e aplica em fundos de
créditos bancários. Todo o lucro desta fazenda se deve à correta administração
financeira que eu faço dos nossos bens. Meus dois irmãos não entendem nada de
finanças. Desta forma, acho justo que eu receba a maior parte desta
herança.
Mais
uma vez, o velho pai fazendeiro olhou para o sábio ansiando por um veredicto
seu, uma solução. O sábio ficou atento a tudo o que escutara e novamente deu a
sua opinião:
- É,
ele está certo.
Desta
vez, foi o velho fazendeiro que resolveu se expor para o sábio e indagar sobre
as suas questões:
-
Deixe-me ver se estou compreendendo, meu amigo sábio. Trouxemos você até aqui
para nos ajudar a resolver esta situação delicada. Estamos diante de um
impasse, onde todos os meus três filhos afirmam terem direito a uma maior parte
na minha herança. Diante do que eles expuseram, você me afirma que todos estão certos.
Isto quer dizer que ninguém está errado. Como posso resolver esta questão com a
sua sabedoria de que todos estão certos?! Pelo que vejo e compreendo da sua
sabedoria, todos estão sempre certos. Mas desta forma, parece que teremos
sempre problemas. O que você me diz, grande sábio?
O sábio
fez um minuto de silêncio, olhou profundamente nos olhos do velho fazendeiro e
concluiu:
- É, você está certo.
PONTO DE
VISTA
Certa
vez, um sábio iluminado estava peregrinando pela Índia, quando resolveu parar e
descansar em um bosque. Escolheu um lugar calmo e ficou horas ali contemplando
a bela natureza do lugar. Entrou em meditação e permaneceu imóvel durante mais
algumas horas. Ao retornar da meditação, observou um senhor dirigindo-se a ele.
Um senhor aproximou-se e foi falando em tom de indignação para aquele sábio, o
qual ele nunca vira antes:
- O que
você está fazendo, aí? Parado, sentado e sem fazer coisa alguma. Acredito que
você não tenha nem trabalho assalariado. Deve ser um vagabundo. O mundo está
virado e perdido por causa de vocês, vagabundos que não produzem nada para a
sociedade.
O sábio
manteve a sua calma de sempre e não respondeu àquele senhor. Tratava-se de um
rico comerciante da região, um dos mais prósperos vendedores de tecidos. Para
ele, só o trabalho realizava o ser humano e lhe causava indignação ver alguém
ocioso sem realizar alguma atividade produtiva para o seu julgamento.
O
comerciante aumentou a sua indignação ao presenciar o silêncio e a indiferença
do sábio. Resolveu investir mais uma vez para ter uma resposta justificável.
- Como
é, você não acha que esta sua postura diante da vida é cômoda e atrasada para a
evolução dos dias de hoje? Responda-me!
O
sábio, então, resolveu indagar o comerciante.
- Todos
nós devemos saber qual o verdadeiro propósito de nossas ações. Para e por que
estamos fazendo, e aonde queremos e vamos chegar. Pergunto, ao senhor, para que
trabalha tanto ?
- Ora,
meu amigo, trabalho para ganhar dinheiro. Trabalho para manter as pessoas
abastecidas com bons tecidos. Trabalho para poder sustentar a minha família com
alimentação e educação. Trabalho para poder ter um bom carro e uma boa casa. O que mais eu poderia querer?
- Você
já tem tudo isto, mas ainda tem algo pelo qual você continua trabalhando para
alcançar. O que é?
O
comerciante percebeu que realmente já havia conquistado tudo o que planejara.
Refletiu um pouco e respondeu.
-
Trabalho também, para manter o que conquistei e um dia me aposentar e poder
viver em paz, em tranquilidade e sem aborrecimentos.
Ao
escutar o comerciante, o sábio expôs a sua verdade.
- Você
está fazendo todo este esforço e trajeto em sua vida para chegar onde eu já
estou. Eu já me encontro em paz e em tranquilidade. Nada fora de mim me provoca
desejos. Lido com todos os elementos da vida indiferentemente. Posso ter carro
ou não, ter uma boa casa ou não, ter família ou não... A sua indignação é
consequência da sua não autorrealização. Somente quando todos os seus desejos
forem realizados e se cessarem, você poderá se aproximar da verdadeira paz.
Digo mais, a sua forma de trabalhar está fortalecendo a ansiedade e os desejos
dos outros. É preciso tomar cuidado, consciência e responsabilidade com isto.
Meu trabalho pessoal é silencioso e sutil, penetra lugares nos quais você é
incapaz de observar. Portanto, meu gentil comerciante, sei que a sua paz ainda
lhe aguarda e, quem sabe algum dia, sentaremos juntos para contemplar a vida.
O TEMPO
DO ESPÍRITO
Um
grupo de três exploradores ingleses resolveu fazer uma expedição pelas selvas
africanas. Viajaram a uma pequena cidade do interior do Congo e prepararam as
estratégias para a aventura. Resolveram contratar um grupo de oito pigmeus
nativos como carregadores de suas bagagens e ajudantes em suas investidas.
Contrataram também um tradutor de línguas para fazer a intercomunicação entre
eles.
Partiram,
então, num dia de lua cheia para poderem aproveitar mais em suas observações
pelas selvas. Seriam dois dias seguidos de caminhada contínua até se chegar ao
primeiro local de acampamento mais seguro. No primeiro dia, a caravana seguiu
normalmente, sem nenhum imprevisto.
No
segundo dia de caminhada, os três ingleses resolveram acelerar o passo, pois
perceberam que se mantivessem aquele ritmo poderiam chegar ao local
pré-determinado depois do pôr do sol, o que dificultaria a montagem do
acampamento. Desta forma, os ingleses aceleraram o passo e os pigmeus
acompanharam o ritmo. Após a primeira hora de caminhada forte, os ingleses
resolveram acelerar mais ainda o ritmo. Novamente, os pigmeus sustentaram o
ritmo e permaneceram acompanhando a caravana. Acontece que, na terceira hora de
caminhada forte, os pigmeus começaram a diminuir o ritmo. Aos poucos, foram
reduzindo a velocidade de seus passos até pararem.
Os
ingleses deram conta que os pigmeus haviam parado e estavam todos sentados, uns
ao lado dos outros, tranquilamente descansando. O chefe da expedição,
imediatamente, se dirigiu ao tradutor e pediu que orientasse o grupo de pigmeus
a continuarem a caminhada. O tradutor, então, conversou com o líder dos pigmeus
e trouxe a resposta para o chefe da expedição.
- O
líder deles disse que não seguiria mais em frente, por enquanto. Que vocês
aguardassem o momento certo para prosseguir.
Os
ingleses ficaram indignados com aquela resposta, afinal eles estavam pagando um
preço bastante alto para a prestação daquele serviço. Queriam chegar rápido ao
local do acampamento e não queriam ficar ali esperando. Novamente, pediram ao
tradutor para intervir e procurar saber qual o motivo principal deles todos
terem parado a caminhada. O tradutor se dirigiu ao líder pigmeu e veio com a
resposta.
- O
líder pigmeu afirmou que os corpos físicos deles andaram rápidos demais. Desta
forma, os seus espíritos acabaram ficando para trás. Agora, eles têm que parar
e aguardar por seus espíritos. Só assim eles estarão inteiros e prontos para
prosseguirem com a caravana.
Será
que os corpos físicos da atual humanidade não estão em movimentos por demais
acelerados? Será que já não é tempo para uma pausa, um descanso e um reencontro
em reconexão? Será que os nossos espíritos não ficaram para trás, no caminho? E
quem é o nosso líder que pode perceber isto?
APOIO OCULTO
Certa
vez, numa floresta tropical, uma onça pintada circulava pela mata atrás de uma
presa para o seu almoço. Buscava uma caça que pudesse saciar a sua fome, que
sinalizava de forma aguda. Eis que avistou um coelhinho, uma fácil e pequena
vítima para a ágil onça.
O
coelhinho encontrava-se, em frente à sua toca, que ficava na entrada de uma caverna
escura. Sozinho e concentrado, cercado de livros, de óculos, com um caderno e
uma caneta em punho, descrevia uma teoria. A onça logo reconheceu a
oportunidade que ali se apresentava, para fazer pelo menos um pequeno lanche.
Percebendo a concentração em que se encontrava o coelhinho na sua atividade, a
onça resolveu abordar o seu futuro almoço de uma forma suave para não liberar
adrenalina naquela carne macia, que depois seria digerida mais facilmente.
Desta forma, aproximou-se do coelhinho:
- Bom
dia, senhor coelho – apresentou-se a onça, com disfarçada diplomacia.
- Bom
dia, dona onça. Respondeu o coelhinho demonstrando total indiferença diante o
perigo que poderia representar aquele felino predador para a sua vida.
A onça
percebeu a tranquilidade do coelhinho e resolveu, curiosamente, estender um
pouco mais aquele diálogo, antes de dar o bote fatal naquela potencial vítima.
- O que
está fazendo com tantos livros e tão concentradamente, coelhinho?
- Estou
terminando de elaborar a minha tese sobre a sabedoria no reino animal.
Respondeu o coelhinho, com ar de imponente intelectualidade.
- Sobre
sabedoria?! E qual a conclusão da sua tese?
Na onça
pintada, despertou uma curiosidade investigativa, e queria ela saber o quanto
aquele desprotegido coelhinho poderia ser sábio e quais os tipos de sabedoria
poderiam ser de valia para a sobrevivência e existência de um animal, numa
floresta tão violenta como aquela, onde os animais se matavam e se comiam uns
aos outros.
O
coelhinho vendo o interesse daquela onça, continuou a sua exposição.
- Após
muitas observações e pesquisas, conclui que os coelhinhos são os animais mais
sábios e inteligentes, dentre os animais que habitam esta floresta.
- Mais
inteligentes e sábios?! Exclamou a onça já suspeitando daquela tese. Mostre-me
a sua tese e me prove, então, que vocês coelhos são tão sábios e inteligentes!
- Claro
que sim. Entre comigo em minha toca, e explanarei com detalhes e convicção
sobre a minha tese. Verá com os seus próprios olhos o que pesquisei e conclui.
De
prontidão, a onça aceitou o convite. Dentro daquela caverna, seria mais fácil
capturar o coelhinho, caso ele tentasse fugir, diminuindo assim o seu esforço.
O coelhinho parecia estar com o tempo contado. Entraram na caverna e, logo em
seguida, ouviu-se bastante barulho. De longe, escutavam-se os gritos de
perseguição, desespero e agonia, vindo de dentro daquela toca. Algo
acontecia... De repente, um silêncio se estabelece e o coelhinho sai da sua
caverna, trazendo o seu livro, tranquilamente, retornando ao seu posto de
estudos.
Pouco
tempo depois, eis que sai da caverna um grande leão lambendo os lábios, fartado
com o almoço que acabara de desfrutar. A onça já não existia mais. Ao passar ao
lado do coelhinho, o leão se despede cordialmente daquele encontro:
- Até
breve, senhor coelho. Grato pelo almoço e tenha um bom dia.
- Por
nada, amigo leão, e até breve.
MORAL: “Não importa o quão seja absurda a tese
que você defenda. O importante é o quê ou quem te dá apoio oculto. O coelhinho
simboliza qualquer ser que possa crer na proteção oculta. O leão simboliza a
força oculta que consome a ignorância. A onça simboliza o ego humano, predador ignorante
que necessita de uma morte simbólica. A toca simboliza a casa dos conhecimentos
e da sabedoria, na consciência do ser.”
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